domingo, 24 de março de 2013

VII Encontro Mestre do Mundo RODA DE MESTRE – SAGRADO

Por William Augusto


O sagrado
                                                                                                           Coordenador- William Pereira[1]

Estive na Roda de Mestre nas manhãs dos dias 21 e 22 de dezembro coordenando e facilitando o Sagrado. O meu papel como ator social serviu de facilitador e ouvinte dos Tesouros Vivos que ali se encontraram. Estavam presentes os Mestres  Maria do Horto,  João Venâncio, Getúlio, Luciano, Dona Zefa, Lucas Evangelista, Pajé Luiz Caboclo, a cantora Luiza  Dias de Catunda da fazenda de Trapiá, e os  acompanhantes dos mestres, sujeitos valiosos e indispensáveis para o momento.
            A Mestra Maria do Horto sempre alegre, descontraída, cheia de vida cantou cânticos sacros:
                        Vai Francisco, vai curar
                        Guiado pela Luz
                        Vai pela luz
                        Vai descobrir o sagrado
                        Das terras de Santa Cruz

            Seu modo simples com vestes coloridas com um chapéu sobre a cabeça e sempre sorridente nos faz parecer uma pessoa comum, em um tempo comum de um lugar comum. Mas, ao mostrar-se do seu modo, pode-se compreender a grande poetisa sacra que se move nesse tempo. Ela é parte do todo e não sobreviveria sem ele. Precisamos aprender a cultivar esses tesouros e acreditar que a vida não sobreviverá se for não cultivada o bem comum e essas pessoas como Maria do Horto é uma peça preciosa para o conjunto social desses mestres iluminados. Como bem introduz Lucas no seu evangelho:


Deus ouve o pedido dos pobres – No tempo de Herodes, rei da Judéia, havia um sacerdote chamado Zacarias. Era do grupo de Abias. Sua esposa se chamava Isabel, e era descendente de Aarão. Os dois eram justos diante de Deus: obedeciam fielmente a todos os mandamentos e ordens do Senhor. Não tinham filhos, porque Isabel era estéril, e os dois já eram de idade avançada. Certa Ocasião, Zacarias fazia o serviço religioso no templo, pois era a vez do seu grupo realizar as cerimônias. Conforme o costume do serviço sacerdotal, ele foi sorteado para entrar no Santuário, e fazer a oferta do incenso.(Lc1:5-9).


Como podemos focar identificamos Maria do Horto nesse contexto bíblico onde ela é chamada para apresentar aos demais sua atividade  e como tal   ela tão bem representa. Sua maneira simbólica arremete a Zacarias. Assim a roda de mestre - com o sagrado fortalece, é tempo de partilha e gira em torno de cada um presente.
Logo após assistimos  uma introdutória a manifestação de como os Tremembés[2] do município de Itarema  se manifestam  para agradecer ao Deus Tupã a alegria de está ali. Teve início com o Mestre João Venâncio que saudou a todos e disse da felicidade de partilhar o seu  saber com os demais e em seguida passou a palavra para o Pajé Luiz Caboclo que iniciou falando do torém que é uma dança somente do povo tremembé. Enquanto para outras tribos indígenas essa dança leva o nome de toré, para eles é  o torém[3] e que não é a mesma coisa, pois arremete a busca do sagrado através da natureza. Luiz Caboclo – índio Tremembé do município de Itarema é o Pajé da aldeia. Sujeito de gestos firmes, sério e bem comportado. Trazia consigo a sua mufumba, uma espécie de sacola de palha e dentro dela adereços indígenas, colas, brincos, anéis, pulseiras todas artesanais provindas da aldeia. Ao ser conduzido pelo Mestre João Venâncio para fazer uma ação de boas vindas. O  Pajé Luiz Caboclo retira de sua mufumba dois maracás de tamanhos pequenos e entrega um deles ao mestre João Venâncio. Os dois vão ao centro da sala, faz saudações a todos e pedem a Tupã para agraciar aquele momento festivo. Todos levantam e com um cântico denominado de aranha[4] começam o ritual sagrado.
Na conduta da busca de se comunicar com o sagrado, o Deus que mais se aproxima de cada um e cada uma, não existe uma fórmula pronta, pois se assim fosse reduziria a possibilidade de uma comunicação perfeita com Deus. O que presencia, através do Pajé Luiz Caboclo, foi uma maneira descontraída, improvisada, mas convicta de querer essa aproximação. Esse momento no encontro dos Mestres do Mundo  no  município de Limoeiro do Norte,  no tocante ao sagrado é muito valioso, pois traz um saber popular  genuíno que precisa ser partilhado e valorizado no conjunto da diversidade do sagrado e não  em uma mera formalidade popular.
O ritual Tremembé nos estimulou a mexer nosso corpo, para lá e para cá, como um ninar de mãe que quer acalmar o filho. A intensidade do estímulo produzido pelo Pajé Luiz Caboclo e Mestre João Venâncio  com seus maracás nos produziu um reflexo que nos apresentou uma paz no ambiente, ou uma conduta de segurança espiritual transcendente.
Não me parece que o ritual Tremembé que se utiliza de estímulos reflexivos nos conduza a um condicionamento Pavloviano[5], isto é, o reflexo aprendido[6]. E nem conduza ao patamar da umbanda como assim entendeu uma acompanhante ao me abordar no intervalo da roda o qual a orientei a se jogar mais na compreensão e grandeza do sagrado do povo Tremembé.
A diversidade  do sagrado é rica em detalhes, gestos e discernimentos e jamais anulará outra iniciativa de busca ao transcendente. Com essa atitude me fez conduzir a Isaias (Is, 66:1-2):
O culto idolátrico: Assim dia Javé: o céu é meu trono e a terra  é o apoio para os meus pés. Que tipo de casa vocês  poderiam construir para mim. Que lugar poderia servir para meu descanso. Tudo que existe fui eu que fiz, tudo que existe é meu- Oráculo de Javé.Eu olho para o aflito e o de espírito abatido, e também para aquele que estremece diante das minhas palavras.(Isaías, 66:1-2).
Outras manifestações sacramentais foram introduzidas na roda de mestres no sagrado, quando uma acompanhante angustiada solicita rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria para agradecer a Deus aquele momento.Assim se expressa:
Senhor, nosso Pai. Bendita seja a água, sinal permanente da bondade e da misericórdia do vosso coração que, agora, jogada sobre nós, purifica e ilumina nossas casas, fortalece nosso encontro, nossas famílias e abri nossos ouvidos para ouvir tudo  o que Jesus tem a nos dizer. Ele que com o Senhor viveis e reinais, na unidade do Espírito Santo. (Grifo meu ao ouvir o sentimento de uma das acompanhantes)


 O grupo reza e medita e está aberto a roda para novas provações.

Referencias Bibliográficas
·         BIBLIA SAGRADA: Edição pastoral.
·         MOREIRA, Márcio. Princípios básicos de análises do comportamento. São Paulo. Artmed. 2007.
PALITOT, Estevão Martins. Na mata do sabiá. Contribuições sobre a presença indígena no Ceará. Fortaleza. Museu do Ceará. 2009.


[1] Teólogo, filósofo. Membro da Comissão Cearense de Folclore. Pesquisador de quilombo no estado do Ceará. Um dos Fundadores do Maracatu Nação Iracema. Militante do Movimento Social Negro.
[2] Os índios Tremembé de Almofala então entre as primeiras populações do Ceará a organizar-se pelo reconhecimento oficial da identidade étnica perante o Estado e a sociedade circundante. Tal reconhecimento garante-lhes o direito a terra tradicionalmente por eles ocupadas, além de saúde e educação diferenciadas.
[3] O Torém  é uma dança de roda, com um casal ao meio, ou dois homens, duas lideranças, dois chefes. Com o maracá ou “Aguaí” na mão,  é realizado sobretudo durante a coleta do caju, entre setembro a dezembro, normalmente. O Torém está relacionado profundamente com as energias transmitidas através dos ‘’encantados’’, junto dos Pajés,  do Cacique, do tuxaua, de muitos outros, com a força da sua mediunidade. As seções de cura são  através do Tundá. A mata e  o mar constituem o centro de irradiação do poder maior, o sagrado. Estevão Palitot – Na Mata do Sabiá. Fortaleza-Ceará. 2009.p.303-404.
[4]  Segundo Luiz Caboclo a Aranha  é uma dança em roda  e no decorrer da dança tem passos entrelaçados entre seus membros. Existem também a Dança do Caçador – ela é agitada, versada e no repente. Esse processo acontece para o sagrado onde é utilizado o Mocororó o vinho sagrado. Isso é feito através de três passagens. Uma semana a duas semanas o vinho é o mocororó. Depois vem o Lisão – vinho mais concentrado de caju. Depois o momento que se consagra o ritual. O sagrado é uma partilha com todos os presentes.
[5] O condicionamento Pavloviano é a capacidade de reagir  de formas diferentes a novos estímulos. Durante a evolução das espécies, elas “aprenderam” a responder de determinadas maneiras a estímulos específicos de seu ambiente. Por exemplo, alguns animais já “nascem sabendo” que não podem comer uma fruta de cor amarela, a qual é venenosa. Os reflexos inatos compreendem determinadas respostas dos organismos a determinados estímulos do ambiente. Esse ambiente, no entanto, muda constantemente. Em nosso exemplo, a fruta amarela possui uma toxina venenosa que pode levar um organismo à morte. Se animais de uma determinada espécie já “nascem sabendo” que não  podem comer tal fruta, essa espécie tem mais chances de se perpetuar do que outras que não possuem essa característica. Mas, como dissemos, o ambiente muda constantemente. Essa fruta, ao longo de alguns milhares de anos, pode mudar de cor, e os animais não mais a rejeitariam, ou migrariam para outro local onde essas frutas têm  cores diferentes. Sua preparação para não comer frutas amarelas torna-se inútil. É nesse momento que a capacidade de aprender novos reflexos, como o que ocorreu nas manhãs do VII mestre do  Mundo – Sagrado, torna-se importante. Moreira, Márcio. Princípios Básicos de Análise do Comportamento.p 30.
[6] Ivan Petrovich Pavlov, um fisiologista russo, ao estudar reflexos biologicamente estabelecidos (inatos), observou que seus sujeitos experimentais (cães) haviam aprendido novos reflexos, ou seja, estímulos que não eliciavam  determinadas respostas passaram a eliciá-las. Em sua homenagem, deu-se a esse fenômeno (aprendizagem um novo reflexo) o nome de Condicionamento Pavloviano. Moreira, Márcio. Princípios Básicos de Análise do Comportamento.p 31.

0 comentários: