Por William Augusto
O sagrado
Coordenador- William Pereira[1]
Estive na Roda de Mestre nas
manhãs dos dias 21 e 22 de dezembro coordenando e facilitando o Sagrado. O meu
papel como ator social serviu de facilitador e ouvinte dos Tesouros Vivos que
ali se encontraram. Estavam presentes os Mestres Maria do Horto, João Venâncio, Getúlio, Luciano, Dona Zefa,
Lucas Evangelista, Pajé Luiz Caboclo, a cantora Luiza Dias de Catunda da fazenda de Trapiá, e os acompanhantes dos mestres, sujeitos valiosos e
indispensáveis para o momento.
Vai Francisco, vai curar
Guiado pela Luz
Vai pela luz
Vai descobrir o sagrado
Das terras de Santa Cruz
Seu modo simples com vestes coloridas com um chapéu sobre
a cabeça e sempre sorridente nos faz parecer uma pessoa comum, em um tempo
comum de um lugar comum. Mas, ao mostrar-se do seu modo, pode-se compreender a
grande poetisa sacra que se move nesse tempo. Ela é parte do todo e não
sobreviveria sem ele. Precisamos aprender a cultivar esses tesouros e acreditar
que a vida não sobreviverá se for não cultivada o bem comum e essas pessoas
como Maria do Horto é uma peça preciosa para o conjunto social desses mestres
iluminados. Como bem introduz Lucas no seu evangelho:
Deus
ouve o pedido dos pobres – No tempo de Herodes, rei da Judéia, havia um
sacerdote chamado Zacarias. Era do grupo de Abias. Sua esposa se chamava
Isabel, e era descendente de Aarão. Os dois eram justos diante de Deus:
obedeciam fielmente a todos os mandamentos e ordens do Senhor. Não tinham
filhos, porque Isabel era estéril, e os dois já eram de idade avançada. Certa
Ocasião, Zacarias fazia o serviço religioso no templo, pois era a vez do seu
grupo realizar as cerimônias. Conforme o costume do serviço sacerdotal, ele foi
sorteado para entrar no Santuário, e fazer a oferta do incenso.(Lc1:5-9).
Como podemos focar
identificamos Maria do Horto nesse contexto bíblico onde ela é chamada para
apresentar aos demais sua atividade e como
tal ela tão bem representa. Sua maneira simbólica
arremete a Zacarias. Assim a roda de mestre - com o sagrado fortalece, é tempo
de partilha e gira em torno de cada um presente.
Logo após assistimos uma introdutória a manifestação de como os
Tremembés[2]
do município de Itarema se manifestam para agradecer ao Deus Tupã a alegria de está
ali. Teve início com o Mestre João Venâncio que saudou a todos e disse da
felicidade de partilhar o seu saber com
os demais e em seguida passou a palavra para o Pajé Luiz Caboclo que iniciou
falando do torém que é uma dança somente do povo tremembé. Enquanto para outras
tribos indígenas essa dança leva o nome de toré, para eles é o torém[3]
e que não é a mesma coisa,
pois
arremete a busca do sagrado através da natureza. Luiz Caboclo – índio Tremembé
do município de Itarema é o Pajé da aldeia. Sujeito de gestos firmes, sério e
bem comportado. Trazia consigo a sua mufumba, uma espécie de sacola de palha e
dentro dela adereços indígenas, colas, brincos, anéis, pulseiras todas
artesanais provindas da aldeia. Ao ser conduzido pelo Mestre João Venâncio para
fazer uma ação de boas vindas. O Pajé
Luiz Caboclo retira de sua mufumba dois maracás de tamanhos pequenos e entrega
um deles ao mestre João Venâncio. Os dois vão ao centro da sala, faz saudações
a todos e pedem a Tupã para agraciar aquele momento festivo. Todos levantam e
com um cântico denominado de aranha[4]
começam o ritual sagrado.
Na conduta da busca de se
comunicar com o sagrado, o Deus que mais se aproxima de cada um e cada uma, não
existe uma fórmula pronta, pois se assim fosse reduziria a possibilidade de uma
comunicação perfeita com Deus. O que presencia, através do Pajé Luiz Caboclo,
foi uma maneira descontraída, improvisada, mas convicta de querer essa
aproximação. Esse momento no encontro dos Mestres do Mundo no município de Limoeiro do Norte, no tocante ao sagrado é muito valioso, pois
traz um saber popular genuíno que
precisa ser partilhado e valorizado no conjunto da diversidade do sagrado e não
em uma mera formalidade popular.
O ritual Tremembé nos
estimulou a mexer nosso corpo, para lá e para cá, como um ninar de mãe que quer
acalmar o filho. A intensidade do estímulo produzido pelo Pajé Luiz Caboclo e
Mestre João Venâncio com seus maracás
nos produziu um reflexo que nos apresentou uma paz no ambiente, ou uma conduta
de segurança espiritual transcendente.
Não me parece que o ritual
Tremembé que se utiliza de estímulos reflexivos nos conduza a um
condicionamento Pavloviano[5],
isto é, o reflexo aprendido[6].
E nem conduza ao patamar da umbanda como assim entendeu uma acompanhante ao me
abordar no intervalo da roda o qual a orientei a se jogar mais na compreensão e
grandeza do sagrado do povo Tremembé.
A diversidade do sagrado é rica em detalhes, gestos e
discernimentos e jamais anulará outra iniciativa de busca ao transcendente. Com
essa atitude me fez conduzir a Isaias (Is, 66:1-2):
O culto idolátrico: Assim
dia Javé: o céu é meu trono e a terra é
o apoio para os meus pés. Que tipo de casa vocês poderiam construir para mim. Que lugar
poderia servir para meu descanso. Tudo que existe fui eu que fiz, tudo que
existe é meu- Oráculo de Javé.Eu olho para o aflito e o de espírito abatido, e
também para aquele que estremece diante das minhas palavras.(Isaías, 66:1-2).
Outras manifestações
sacramentais foram introduzidas na roda de mestres no sagrado, quando uma
acompanhante angustiada solicita rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria para
agradecer a Deus aquele momento.Assim se expressa:
Senhor, nosso Pai. Bendita
seja a água, sinal permanente da bondade e da misericórdia do vosso coração
que, agora, jogada sobre nós, purifica e ilumina nossas casas, fortalece nosso
encontro, nossas famílias e abri nossos ouvidos para ouvir tudo o que Jesus tem a nos dizer. Ele que com o
Senhor viveis e reinais, na unidade do Espírito Santo. (Grifo meu ao ouvir o
sentimento de uma das acompanhantes)
O grupo reza e medita e está aberto a roda
para novas provações.
Referencias
Bibliográficas
·
BIBLIA SAGRADA: Edição pastoral.
·
MOREIRA, Márcio. Princípios básicos de
análises do comportamento. São Paulo. Artmed. 2007.
PALITOT, Estevão Martins. Na mata do sabiá.
Contribuições sobre a presença indígena no Ceará. Fortaleza. Museu do Ceará. 2009.
[1] Teólogo,
filósofo. Membro da Comissão Cearense de Folclore. Pesquisador de quilombo no
estado do Ceará. Um dos Fundadores do Maracatu Nação Iracema. Militante do
Movimento Social Negro.
[2] Os
índios Tremembé de Almofala então entre as primeiras populações do Ceará a
organizar-se pelo reconhecimento oficial da identidade étnica perante o Estado
e a sociedade circundante. Tal reconhecimento garante-lhes o direito a terra
tradicionalmente por eles ocupadas, além de saúde e educação diferenciadas.
[3] O
Torém é uma dança de roda, com um casal
ao meio, ou dois homens, duas lideranças, dois chefes. Com o maracá ou “Aguaí”
na mão, é realizado sobretudo durante a
coleta do caju, entre setembro a dezembro, normalmente. O Torém está
relacionado profundamente com as energias transmitidas através dos
‘’encantados’’, junto dos Pajés, do
Cacique, do tuxaua, de muitos outros, com a força da sua mediunidade. As seções
de cura são através do Tundá. A mata
e o mar constituem o centro de
irradiação do poder maior, o sagrado. Estevão Palitot – Na Mata do Sabiá.
Fortaleza-Ceará. 2009.p.303-404.
[4] Segundo Luiz Caboclo a Aranha é uma dança em roda e no decorrer da dança tem passos
entrelaçados entre seus membros. Existem também a Dança do Caçador – ela é
agitada, versada e no repente. Esse processo acontece para o sagrado onde é
utilizado o Mocororó o vinho sagrado. Isso é feito através de três passagens.
Uma semana a duas semanas o vinho é o mocororó. Depois vem o Lisão – vinho mais
concentrado de caju. Depois o momento que se consagra o ritual. O sagrado é uma
partilha com todos os presentes.
[5] O
condicionamento Pavloviano é a capacidade de reagir de formas diferentes a novos estímulos. Durante
a evolução das espécies, elas “aprenderam” a responder de determinadas maneiras
a estímulos específicos de seu ambiente. Por exemplo, alguns animais já “nascem
sabendo” que não podem comer uma fruta de cor amarela, a qual é venenosa. Os
reflexos inatos compreendem determinadas respostas dos organismos a
determinados estímulos do ambiente. Esse ambiente, no entanto, muda
constantemente. Em nosso exemplo, a fruta amarela possui uma toxina venenosa
que pode levar um organismo à morte. Se animais de uma determinada espécie já
“nascem sabendo” que não podem comer tal
fruta, essa espécie tem mais chances de se perpetuar do que outras que não
possuem essa característica. Mas, como dissemos, o ambiente muda
constantemente. Essa fruta, ao longo de alguns milhares de anos, pode mudar de
cor, e os animais não mais a rejeitariam, ou migrariam para outro local onde
essas frutas têm cores diferentes. Sua
preparação para não comer frutas amarelas torna-se inútil. É nesse momento que
a capacidade de aprender novos reflexos, como o que ocorreu nas manhãs do VII
mestre do Mundo – Sagrado, torna-se
importante. Moreira, Márcio. Princípios Básicos de Análise do Comportamento.p
30.
[6] Ivan
Petrovich Pavlov, um fisiologista russo, ao estudar reflexos biologicamente
estabelecidos (inatos), observou que seus sujeitos experimentais (cães) haviam
aprendido novos reflexos, ou seja, estímulos que não eliciavam determinadas respostas passaram a eliciá-las.
Em sua homenagem, deu-se a esse fenômeno (aprendizagem um novo reflexo) o nome
de Condicionamento Pavloviano. Moreira, Márcio. Princípios Básicos de Análise
do Comportamento.p 31.
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