25 DE MARÇO: DIA DA
LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS
PARTE I
NEGROS EM EXTINÇÃO OU, A SAGA DA IDEOLOGIA DA
INVISIBILIDADE:
CADÊ OS NEGROS NEGRADA
William
Augusto Pereira[1]
Ser negro no Ceará não é ser descendente de
ex-escravo, não é ser moreno descendente de português ou francês,quando aqui viviam. Ser negro é pertencer a raiz africana, cujos
traços étnicos identificam a pessoa. Ser negro no Ceará é assumir uma negritude
cearense, que não é diferente da do
Brasil, mas que se diferencia no modo de ser negro em uma terra que persiste em
afirmar que não existe negro; é resistir contra a ideologia da invisibilidade
criada pela elite do Estado do Ceará e que, ainda hoje, é alimentada pelos ditos especialistas.
Existe uma controvérsia ou um erro histórico quanto
a abolição do negro escravizado no Ceará. Alguns especialistas dizem:
“É uma data
significativa porque foi um marco no movimento abolicionista. Do ponto de vista
econômico, repercutiu pouco. Mas, do ponto de vista social, é importante
simbolicamente”, classifica o doutor em história social, Eurípedes Antônio
Funes.
Segundo ele,
mesmo o número de escravos do Ceará não chegando a 3% da população à época, a
abolição repercutiu no resto do País.
(jornal o povo 25.03.2013)
Faltou a compreensão de
quantas pessoas habitavam o Ceará nesse
período provincial para se entender esse
quantitativo de 3% dessa população. Sabemos através do senso de 1872 que, os escravos representavam 15,24% da população
brasileira. Os estrangeiros somavam 3,8%, a maioria deles portugueses, alemães,
africanos livres e franceses.
É oportuno salientar que toda elite cearense
colonial tinha escravos em suas propriedades, além da igreja e órgão oficiais,
pois um escravo era um objeto como outro qualquer. Uma peça de muita serventia.
Alguns deles com valor de várias cabeças de gados, portanto caro, preciso para
aquela realidade no Brasil escravocrata.
Governo nenhum sanciona uma
lei sem um meritum causae, isto é, sem
um mérito da causa, com objetivo justo e decisivo. Após análise e
convencimentos de seus pares e decidido no parlamento. Se existiu uma causa
para abolir os negros escravizados no Ceará é porque havia escravidão, e não
era em percentagens pequenas como são repassadas essas informações pelos
especialistas, e repetidas nas escolas e fixadas no senso comum da sociedade. A
escravidão era um fato real em todo território nacional. E o Ceará não escapou
dessa realidade, não.
Segundo o professor Américo Souza que afirma:
“O processo cearense não foi humanista. O objetivo não era libertar os escravos porque é errado escravizar. A questão era econômica. Se vivia uma crise e a Assembléia Provincial aprovou leis nas quais destinava altas dotações orçamentárias para o Estado comprar escravos dos senhores e libertá-los. É que nem o FHC (ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) salvando os bancos”, compara Souza.
Interessante a indagação do professor Souza, mas
entra em conflito do que afirmou Funes. Afinal de contas o fim da
abolição abalou ou não, a economia provincial.
É
importante saber que cinco anos antes da abolição no Ceará, que ocorreu em 1884,
o estado foi acometido de uma grade seca que exterminou um terço de sua
população. Estou me referindo da seca de 1877-1879, portanto, três anos de
martírios, mortes, êxodo, de destruição, saques, da população do Ceará. Foram
três anos seguidos sem chuva, sem colheita, sem plantio,
com perda de rebanhos, venda em massa de negros escravizados para o sudeste,
fugas de famílias, deixando despovoado o sertão. Aracati com contava com cinco mil habitantes passou a abrigar mais de
60 mil pessoas. Fortaleza converteu-se na capital do desespero: de 21 mil
habitantes pelo senso de 1872 passou a
ter 130 mil habitantes. Inicia-se as favelas e guetos nesse centro urbano. A
economia provincial, já estava abalada, nesse período pela crise do algodão e
com a seca quase acaba por completa. O povo morre de fome. Um terço da
população do Ceará é perdida na seca de 1877. Estima-se 200 mil pessoas mortas.
O censo de 1872
Em junho de 1804, os dados populacionais indicavam um contigente
total de 77.369 habitantes no Ceará, com predominância de pretos e pardos (61
%) sobre os brancos (39 %) e que na sua maioria (74%) viviam na condição de
livre[2]. Cerca
de 70 anos depois, em 1872, a população residente no Ceará foi elevada em oito
vezes o número de habitantes do início do século, chegara a 721.983 pessoas[3].
Verifica-se nesse último ano a presença absoluta e relativa dos pardos (50 % do
total da população), que somados aos pretos e caboclos chegaram a 63%,
perfazendo um contigente de 453.120 pessoas. Os brancos decresceram
relativamente (37%), embora em termos absolutos houvessem incrementado quase na
mesma proporção que da população total, pois passaram de 30.336 pessoas para
268.863.( Scripta
Nova. Revista Electrónica de Geografía y
Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona
[ISSN 1138-9788] Nº 94
(73), 1 de agosto de 2001)
Apesar
de existir ao longo da história do negro escravizado rebeliões, fugas e a organização de quilombos
já existissem no Brasil desde o século XVI e várias rebeliões regionais já
tivessem a emancipação dos cativos em pauta, uma campanha organizada só
acontece nas últimas décadas do século XIX.
A questão entra na agenda institucional a partir do final de agosto de 1880, quando é fundada a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Começavam, no Parlamento, os debates sobre o projeto de libertação geral, apresentado pelo deputado pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910).
Uma intensa pressão popular resulta na libertação dos negros no Ceará, em 1884. Uma aguda crise na lavoura e reflexos da seca de 1877, além da ação de grupos urbanos, inviabilizaram o regime de cativeiro na região. Incentivado por esse desenlace, o abolicionismo toma ares de movimento em diversas províncias, como Rio Grande do Sul, Amazonas, Goiás, Pará, Rio Grande do Norte, Piauí e Paraná.
A questão entra na agenda institucional a partir do final de agosto de 1880, quando é fundada a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Começavam, no Parlamento, os debates sobre o projeto de libertação geral, apresentado pelo deputado pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910).
Uma intensa pressão popular resulta na libertação dos negros no Ceará, em 1884. Uma aguda crise na lavoura e reflexos da seca de 1877, além da ação de grupos urbanos, inviabilizaram o regime de cativeiro na região. Incentivado por esse desenlace, o abolicionismo toma ares de movimento em diversas províncias, como Rio Grande do Sul, Amazonas, Goiás, Pará, Rio Grande do Norte, Piauí e Paraná.
Portanto,
não dar deixar de visualizar mais de 100 agrupamentos negros ou comunidades
negras espalhadas pelo território cearense.
COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS NO ESTADO DO CEARÁ[4]
MAPA
SITUACIONAL DAS COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS DO CEARÁ
|
||||
|
MUNICÍPIOS
|
COMUNIDADE QUILOMBOLA
|
INÍCIO DA OCUPAÇÃO
|
Nº DE FAMÍLIAS
|
01
|
Aquiraz
|
Catolé dos Pereiros,
|
|
|
Estrada Nova,
|
|
|
||
Goiabeiras,
|
1924
|
|
||
Lagoa do Ramo,
|
|
|
||
Lagoa do Mato
|
|
|
||
Pereiral
|
|
|
||
02
|
Aiuaba
|
Zumbi
|
|
|
03
|
Baturité
|
Serra do Evaristo
|
|
|
Castelo
|
|
|
||
Bananeiras
|
|
|
||
Jordão
|
|
|
||
04
|
Crato
|
Luanda
|
|
|
05
|
Crateús
|
Queimadas
|
|
145
|
Ingá,
|
|
|
||
Poti,
|
|
|
||
Tucuns
|
|
|
||
06
|
Chaval
|
Mucambo
|
|
|
|
Coreaú - Moraújo
|
Timbaúba de baixo
|
|
59
|
|
|
Timbaúba de Cima
|
|
|
07
|
Ererê
|
Tomé Vieira
|
|
|
08
|
Fortaleza
|
Pirambu,
|
|
|
Mucuripe
|
|
|
||
Bom Jardim
|
|
|
||
Jardim Iracema
|
|
|
||
Paupina
|
|
|
||
Genibaú
|
|
|
||
Barra do Ceará.
|
|
|
||
09
|
Horizonte
|
Alto alegre
|
|
821
|
Alto Estrela
|
|
|||
Cajueiro da Malhada
|
|
|||
Vila Nova
|
|
|||
Alto da Boa Vista
|
|
|||
10
|
Independência
|
Barragem
|
|
|
Pelo Sinal,
|
|
|
||
Jucás
|
|
|
||
Traqueiras
|
|
|
||
11
|
Ipueiras
|
Coité
|
|
|
Cobras
|
|
|
||
Sitio dos Negros
|
|
|
||
Feijão,
|
|
|
||
Pau D’arco
|
|
|
||
12
|
Iracema
|
Bastiões
|
|
400
|
13
|
Monsenhor Tabosa
|
Jacinto de Dentro
|
|
|
Mundo Novo
|
|
|
||
Lagoa dos Santos
|
|
|
||
Serra Velha
|
|
|
||
Tourão
|
|
|
||
14
|
Novo oriente
|
Barra
|
|
|
Barrigudinha
|
|
|
||
Bom Sucesso
|
|
|
||
Lagoa de Dentro
|
|
|
||
Mirador
|
|
|
||
Santo Antônio
|
|
|
||
Paraná
|
|
|
||
15
|
Pereiro
|
Crioulos
|
|
|
Trindade
|
|
|
||
16
|
Porteiras
|
Sousa
|
|
|
17
|
Pacajus
|
Base
|
|
|
18
|
Parambú
|
São Consolo
|
|
|
Silveira
|
|
|
||
São Roberto
|
|
|
||
Saco Virgem
|
|
|
||
Quiterianópolis
|
|
|
||
Uruburetama
|
|
|
||
19
|
Quixeramobim
|
Mearim
|
|
|
20
|
Salitre
|
Lagoa dos Criolos
|
|
|
21
|
Tururu
|
Água preta,
|
|
82
|
Conceição dos Caetanos
|
|
|
||
22
|
Tamboril
|
Açudinho
|
|
|
Torres
|
|
|
||
Possidônio,
|
|
|
||
Serra dos Mates
|
|
|
||
Santo Antônio
|
|
|
||
23
|
Uruburetama
|
Parandu
|
|
|
|
|
|
|
|
total
|
23 municípios
|
74 comunidades
|
|
|
Assim, o Ceará ganha neste ano de 2013 mais um
feriado do dia 25 de março. Comemora-se a Data Magna do Ceará. A Emenda
Constitucional que instituiu o feriado, de autoria do deputado Lula Morais, foi
aprovada pela Assembléia Legislativa em 1º de dezembro de 2011, sendo
promulgada e publicada no Diário Oficial do Estado em 6 de dezembro de 2011.
Quem ganha com isso foi a luta do movimento negro no Ceará, a sociedade
cearense e a história do nosso povo.
[1]
Teólogo, Filósofo, Membro Efetivo e Secretário da Comissão Cearense de
Folclore, Coordenador de formação do Fórum da economia do Negro, pesquisado de
quilombos no estado do Ceará, membro da Associação Nação Iracema
[2] A fonte dos dados
originais é Revista do Instituto do Ceará. Tomo XXIX, p.279, apresentados por
Funes, 2000, p.104.
[3] A fonte dos dados originais é o Censo demográfico de 1872
in Revista do Instituto do Ceará. Tomo XXIX, p.279, apresentados por Funes,
2000, p.105.
[4] Centro de Defesa da Vida e
Resgate da Cultura Negra no Ceará . Pesquisa coordenada pelo Prof. William
Augusto Pereira.
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